Affonso Romano de Sant'anna
"O rapaz no balcão chegou-se para a moça com alguma antiga intimidade e disse, confessando ironicamente: “Eu sou um homem que ama demais!”.
Ela riu. Cúmplice. Discretamente. Descrente, acho. Como quem diz: “Esse não tem jeito, me engana que eu gosto…”.
Ele se referia àquela frase do filme e do livro: Mulheres que amam demais. Será que só as mulheres amam desesperadamente? E o homem, veio mesmo de outro macaco?
Aquela coisa de que as mulheres são de Vênus e os homens são de Marte precisa ser reformada. Tem muito homem que nunca saiu de Vênus e tem horror a Marte. Estão mais para aquele slogan dos anos 60: “Faça amor, não faça a guerra”.
Penso nisso agora que estão celebrando Vinicius de Moraes. Ele não é o maior poeta brasileiro, mas, sem dúvida, é dos mais amados. Acho que ele pertencia àquela categoria dos homens que amam demais. Consta que se casou umas nove vezes, sem contar os não casamentos intensamente amorosos. E pregava aquela coisa do amor infinito… enquanto dure… Ou seja, era dos que amam o amor (ou o desejo) mais do que as mulheres.
Em algum momento da vida, num desses estúdios de TV, conheci Carlos Alberto Lüffler. Vi certa vez, na internet, umas historinhas que confirmam que era um romântico à antiga. Vivia apaixonado e não sabia viver a não ser pela paixão.
Mas não precisava realizá-la. Nem precisava de correspondência. Bastava estar apaixonado. Mesmo que platonicamente, a distância. Acho até que preferia a paixão não declarada, não realizada, para não vê-la acabar na trivialidade. Sua paixão maior e mais conturbada, no passado, não sei se correspondida, foi pela cantora Maísa Matarazzo, que, aliás, despertou muitas outras paixões avassaladoras em sua vida tão despassarada.
Fernando Barbosa Lima contava de uma grande paixão de Lüffler. Mas como toda grande paixão, sempre a distância. A mulher não o conhecia ou nunca lhe tinha prestado atenção. Mas ele se apaixonou, como se dizia, perdidamente. Perdeu-se de si mesmo, mudou animicamente para a outra pessoa. E começou a mandar flores, sem cartão ou assinatura, todos os dias. Aos poucos, a mulher objeto da paixão se acostumou com aquele mesmo entregador, chegando com as flores todas as tardes. Tinha evidente curiosidade em relação ao misterioso remetente, dava gorjetas altas, tentando convencer o entregador a revelar o nome do apaixonado.
Quando Lüffler achou que era o momento, decidiu revelar-se e foi, ele, pessoalmente, levar as flores. Ela abriu a porta, recebeu o buquê e antes que ele falasse qualquer coisa, a mulher entregou-lhe a gorjeta, dizendo: “Diz a seu patrão que não gostei da troca de entregador. Preferia que fosse sempre o mesmo”.
Sobre a paixão, Carlos Alberto Lüffler tinha uma teoria: o apaixonado é um sujeito sem culpa. É como o atropelado. Ele não quer se apaixonar, não está à procura da paixão, mas ela vem como um caminhão, derrubando tudo. O atropelado também não quer ser atropelado. Ele está só andando na rua, seguindo na calçada, direitinho, e vem um ônibus desgovernado, invade e passa por cima dele. Que culpa tem?
E completava: pior. O atropelado já está no chão, morrendo, dá uma olhadinha para ver o que o atropelou e o motorista do ônibus ainda lhe dá um adeusinho."
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Affonso Romano de Sant'anna
Publicado no jornal Estado de Minas, Cultura, pagina 8, em 20 de outubro de 2013
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